quarta-feira, 23 de junho de 2010

Saramago

SARAMAGO
Um Labutador ou um Provocador?
J. Jorge Peralta

Defendeste a pátria? Cumpriste o teu dever.
A Pátria foi ingrata?! Fez o que costuma fazer
.”
(P. Antônio Vieira)

            1.  Um Homem Paradoxal
O aguilhão de Saramago talvez nos faça falta. Poderemos não concordar com ele, em algumas de suas diatribes polêmicas, no entanto, não podemos negar sua coerência de homem livre. Por outro lado, ele carregou consigo um grande mérito: Suas posições políticas, como cidadão, não interferiram em sua obra: não fez literatura partidária.
Politicamente, no entanto, teve atitudes, para muitos, abomináveis. Ninguém é perfeito... Até dos seus erros podemos tirar ensinamento.
Saramago com sua vida e obra, com seus defeitos e virtudes, estará no Panteão da Lusofonia, quer queiramos quer não.
No Panteão da Lusofonia não cabem ódios nem rancores. Saramago não colocou ódios ou rancores na sua obra. O tempo o absolverá de seus erros políticos. Restará sua obra. Esta o elevará.
Acredito que está na hora de Portugal redescobrir Saramago, sem preconceitos, como um de seus filhos amados, apesar dos pesares.

2. Saramago foi um homem e um artista que teve como seu grande mérito, o seu esforço por acordar a sociedade de certa letargia: provocou as pessoas para que refletissem, em busca da consciência do ser. A rejeição que ele teve faz parte dessa tomada de consciência...
A incredulidade que ele tanto propagava, acredito que faz parte de seu processo de provocação à sociedade para que sua fé não seja em decorrência de uma tradição formal, da inércia e de uma vontade de ser igual e de não destoar do meio em que convive.
Talvez uma afronta, subconsciente, ao “pensamento único” e “inquestionável” que move ações e atitudes, mas não move corações, convicções e sentimentos coerentes, e conscientes.
Não move o espírito.
Suas polêmicas acordaram muita gente. Ribombaram como trombetas...
Mas as pessoas não gostam de ser “perturbadas”, como os homens não gostam de ir ao médico.

Mesmo quando acusou Deus e todas as religiões, por todos os males e misérias do mundo, por todas as guerras e maledicências, provocando um grande terremoto de agressões e contestações e constrangimentos, acredito que foi mais um ato provocativo de bom resultado. Fez as pessoas pensarem e reagirem. Despertou consciências.
Acordou os que estavam sonolentos, “estagnados”, no átrio das igrejas.
Ajudou a curar a cegueira de muitos...
Até o seu último romance, “CAIM”, com todas as suas inconsistências, foi uma obra que, socialmente, deixou um saldo positivo. Provocou uma grande corrida à Bíblia, para conferir os textos originais...

3. Sejamos Críticos, mas não Injustos
Podemos e devemos ser críticos, mas não injustos. Não podemos demonizar as pessoas.
Podemos não concordar em tudo o que Saramago agitou, mas não podemos deixar de reconhecer o valor de sua lealdade a princípios, até quando abala alguns dogmas da Igreja. Até quando venerou o “bezerro de ouro” do poder despótico e deletério de seu país, que nos causa repugnância.
Naturalmente podemos discordar de muitas de suas posições, mas não podemos deixar de dar valor à sua bela história humana.
Tanto política como literariamente, Saramago foi um homem coerente. Nunca temeu perder leitores com suas atitudes. Isto ninguém pode negar. Foi um homem de coragem. Ao contrário de muitos que o criticaram...
Saramago foi um homem simples. Um homem dedicado à sua obra.

4. Vai-se o homem, fica a obra. Devemos perdoar-lhe (?!) alguns de seus eventuais desvios, mas não podemos de deixar de apreciar o difícil percurso, seguido por um homem humilde de nascimento, que conseguiu subir todos os degraus da fama e encantar milhões de pessoas, com mérito e qualidade. Saiu do anonimato, para se projetar na história, como um vencedor que, com sua obra literária, deixou o mundo mais belo.
Acredito que não vendeu sua alma ao diabo... Se vendeu, recuperou-a.

Já vi pessoas lendo Saramago nos lugares mais inesperados, como em praias do Brasil, em banco de praça e nos metrôs de Lisboa... etc, etc.
Foi um grande escultor da frase e um genial contador de histórias.
Diz uma grande crítica literária brasileira:
Com ele, a Língua Portuguesa readquiriu, ao mesmo tempo, a majestade de um Vieira, o humor de um Eça de Queirós e a beleza poética de Pessoa prosador” (Leyla Perrone-Moisés).
Chico Buarque fala de Saramago como “um ser humano admirável, um escritor imenso, um zelador apaixonado da Língua Portuguesa”.

Sei que estas ideias são uma reviravolta naquilo que muitos pensam em Portugal sobre Saramago.
Precisamos repensar sempre nossos conceitos, quando surgem novas luzes. Não nos fechemos à luz, como as ostras.

5. Saramago no Brasil
José Saramago tinha profunda estima pelo Brasil, que muito admirava.
No Brasil tinha e tem muitos milhares, talvez milhões de admiradores. Aqui veio muitas vezes. Sentiu o coração do Brasil palpitar no ritmo e com a força do coração português. Era e é o autor mais vendido da etiqueta literatura estrangeira. Aqui falou sempre bem de Portugal.
Do Brasil dizia:
Somos gente da mesma família,
de uma mesma língua,
de uma mesma cultura que é, embora diferente, a mesma”.
Para ele, o Brasil e Portugal estavam fadados a viverem unidos.
Saramago sempre se sentiu muito bem, entre os brasileiros, que retribuíam com grande carinho. O Brasil é um novo Mundo.
No Brasil encontrou o céu em vida. Foi muito amado, aqui. Porque ele era muito bom. Mas nem todos souberam ver o que ele nos oferecia...
Em Portugal Saramago foi muito antipático. Isto é questão circunstancial; não diminui o valor de sua obra e de sua vida.
Precisamos apreciá-lo com certa objetividade, desapaixonadamente, para não sermos atropelados pela história. Saibamos que a realidade tem muitos ângulos, e não só um.

6.  Saramago vai ao Paraíso
Até Deus Pai, lá do Céu, quando Saramago chegou, foi recepcioná-lo à porta, junto com São Pedro, o homem das chaves.
Deu-lhe as boas vindas, com um grande abraço.  E ele encabulado... sem dizer nada...                                    
Tinha aqui na terra, falado muito mal de Deus e do seu Cristo! O Pai logo atalhou: filho, eu ausculto os corações... Quando falavas mal de mim, criticavas o que eu não era e não a mim. Criticavas porque amavas o que eu sou. Eu sou justo e generoso. Sou a Sabedoria.
Muito do que fizeste, às vezes por caminhos tortuosos, fez as pessoas pensarem e acertarem suas vidas. Tiraste muita gente da monotonia e da inércia.
As pessoas te criticavam mordazmente e com razão; mas fizeste-as pensar. Já te deram a pena que mereceste.
Vem comigo. Também aqui terás por missão provocar, em todos, um sorriso largo, com teu humor e teus paradoxos. Precisamos inovar sempre... Precisamos despachar mais sinais de esperança para teus irmãos, lá na terra de onde vens.

            7. O Grande Legado de Saramago
A vida e a obra de Saramago, o segundo Prêmio Nobel da Língua Portuguesa, têm algo de monumental que apela à nossa consideração.
[Nosso primeiro Prêmio Nobel foi o Médico, Dr. Egas Moniz, (1949). Um grande  homem.]
Quaisquer que sejam as nossas apreciações, Saramago é um imortal, em dimensões de literatura universal.
Saramago saiu da vida e entrou na história.
Na história ele continua vivo, em outra dimensão. Ninguém conseguirá tirar-lhe o que lhe pertence. Os méritos são dele.
Seus críticos vão e ele fica.

Agora cabe a nós fazermos a nossa lição de casa, sem preconceitos e sem simplismos.
Compete a cada um de nós detectar onde está os melhores tesouros que nos legou.
Se soubermos olhar, apesar dos percalços, o saldo é muito positivo. Merece o nosso apreço e a nossa consideração.
A posteridade, apagados os erros de percurso, saberá lhe fazer justiça, enaltecendo a sua imagem.

Não podemos repetir o que o país tradicionalmente fez com as pessoas que mais se destacavam no seu povo. Estas, de praxe, são renegadas por seus contemporâneos. O P. Antônio Vieira, um dos maiores ou talvez o maior sábio do século XVII denunciou este costume execrável, de que ele quase foi vítima.
É de Vieira esta frase constrangedora:
Defendeste a pátria?
Cumpriste o teu dever.
A Pátria foi ingrata?!
Fez o que costuma fazer.”
Lembremo-nos de que Camões, se não fosse a dedicação de seu escravo, teria morrido de fome. E que Pessoa também foi rejeitado por muitos, no seu tempo. Vieira, se não fosse tão sagaz, teria sido queimado pela Inquisição, e foi uma das maiores inteligências da História de Portugal e do Brasil, de todos os tempos.
Aguardemos o que o futuro dirá de Saramago. Ele ainda está muito vivo. Como estará daqui a 50 anos? Se ele merecer a glória, glória terá.

Nota: As fotos de José Saramago foram adaptadas do Jornal “Folha de São Paulo”.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

maratona

O MENSAGEIRO DA MARATONA
Quem tem o que dizer não pode calar-se

- Reflexão Preliminar -
J. Jorge Peralta

1
A VERDADE COMO CONDIÇÃO

Quando elaboramos certo trabalho é como quando plantamos árvores: Queremos que dêem sombra e frutos. Esforçamo-nos para que as pessoas tomem ciência  dos argumentos e reflexões que propomos. Mas o que propomos  não é nosso. Então compete a todos incrementar tais propostas, se forem realmente justas e  oportunas.
Certos anacronismos já foram longe demais. Fizeram estragos avassaladores...
O texto, “Abalos na Igreja, Crise na Humanidade”,  em alguns momentos, é abertamente  contundente, mas procura ser sempre muito cordato. Quer pensar junto. Expõe mas não impõe; nem claudica.
            Defende princípios, defende o bem da humanidade, defende uma visão espiritualista e humanista  da vida, numa posição plural.  Defende a Igreja  do Evangelho, como algo de extraordinário, no mundo. Propõe a sua revitalização permanente.
Considera que a Mensagem do Evangelho parece que, para muitos, virou rotina. No entanto, ele deve ser lido com o mesmo deslumbramento de quem observa, pela primeira vez, o esplendor do alvorecer do sol, em manhã de Primavera.
            Propõe um diálogo franco, leal e aberto.
Vivemos em tempos belicosos. Os contrastes e conflitos estão à flor da pele. Todas as grandes ideias e valores da nossa sociedade estão  na mira dos novos “comandos” ou de novas patrulhas. O que é indefensável deve ser descartado antes de desmoronar. Criticar o que é criticável é uma obrigação de quem sabe o que diz e faz.
Precisamos vencer o dogmatismo vazio de muitas autoridades. Pensar com responsabilidade e ousadia  é dever de todos. Precisamos estudar, estudar, estudar e ter a mente atenta. Denunciar ideias anacrônicas é atitude digna de gente generosa.  Negar o diálogo franco é autoritarismo anacrônico.
Criticar com lucidez é somar e multiplicar e não diminuir e dividir. O poder não exime a pessoa de errar. Criticar uma instituição, ou pessoa , não é necessariamente  desrespeitá-la. Respeitar alguém não significa  obrigar-se a uma aprovação irrestrita do que ele pensa e faz. Respeito é lealdade e verdade e não bajulação. É a verdade que constrói.
As pessoas de boa vontade não podem ter medo de ter opinião e de expressá-la. É a verdade que liberta.
Quem tem algo para dizer não pode se calar. Mas precisa ser razoável e respeitador.
O que falo aqui pode incomodar alguém. É condição natural. Não é possível agradar a gregos e a troianos. Quem a todos quer agradar, a todos desagrada, por falta de sinceridade. A pessoa  que trouxe a Mensagem mais revolucionária da história, agradou ao povo, mas desagradou a certos mandatários que foram à desforra no Palácio de Pilatos.
É sabido que a estrada da vida tem naturais tortuosidades...

2
MUDANÇA SIMPLES E ARROJADA

Na década de 60, quando trabalhei na CNBB – SP, como técnico, fui chamado pela equipe de Liturgia, dirigida, por Frei Luiz Gonzaga, um sábio franciscano, para participar da equipe de reformulação do Ritual do Matrimônio, dando-lhe uma linguagem mais atual.
Na redação final, a ser apresentada  ao episcopado, consegui que todos  concordassem, após muitos debates,  com uma mudança substancial: troca da fórmula clássica: “Até que a morte nos separe”, por:  “por toda a vida”,  uma fórmula  alegre, jovial e profunda. Fui convocado para, numa reunião do episcopado, discutir, juntamente com Frei Luiz, as alterações propostas.
Fomos sabatinados com muita seriedade.
As questões mais intensas foram sobre a mudança da fórmula  clássica e central , já citada. Defrontamo-nos com argumentos difíceis e complexos. Argumentei que “por toda a vida” é mais intenso do que “até que a morte  nos separe”. Que o amor é mais forte que a morte... Que Cristo veio trazer vida, etc, etc. O óbvio...
Ao final da sabatina, retiramo-nos, meio receosos de que a mudança não passasse... Todos achávamos a solução luminosa. Não queríamos que se perde-se. Não se perdeu.
 No dia seguinte recebi, comovido, um grande abraço de Frei Luiz, cheio de alegria: “O Novo Ritual foi aprovado...”. A vida venceu a morte, pensei. A igreja está rejuvenescendo...
Hoje, em todo o Brasil, e quero crer que em todos os países de Língua Portuguesa, é com essa fórmula que se chega ao ápice da Cerimônia Religiosa do Ritual de Casamento Católico. (“Por toda a Vida”)
Alegrei-me , discretamente, e continuei  o meu trabalho com a equipe. Foi um dia de muita alegria, como, aliás, todos eram. Vi muitos momentos assim... discretamente emocionantes...

Deste fato, tão simples, em si,  eu me convenci de que, em questões
sérias, nunca devemos falar gratuitamente, sem pensar. Mas, por outro lado, ideias bem pensadas e amadurecidas, não devemos nos acanhar de as propor à sociedade e a quem de direito. “O Espírito fala onde quer”.

           
3
TRAJETÓRIA DE UM TRABALHO RESPONSÁVEL



Este texto, “Abalos na Igreja”,  foi um trabalho intenso de mais de dois meses. Alegro-me porque o escrevi. Acredito que estou fazendo a minha parte, prestando serviço à humanidade. A Igreja representa uma parte significativa da humanidade.
Se a Igreja melhorar sempre, o mundo ficará muito melhor.
Precisamos cuidar mais da mensagem do que dos dogmas. Dogma sem Mensagem não diz nada.

            Este trabalho foi enviado na primeira versão, na 5ª Feira Santa - 01/04/2010, a diversos Departamentos da CNBB e a outras autoridades.
Recebi estímulos fortes e nenhuma “censura” nem  velada. De Lisboa, de um sábio Pe. Jesuíta, vieram-me os mais fortes apoios e estímulos. Os pastores teólogos têm mais sensibilidade. São mais atenciosos. Não são arrogantes. Mas os grandes teólogos também  podem ser bons pastores.

Prossegui o trabalho. Enviei-o, mais aperfeiçoado, a diversos Departamentos da CNBB, no início da última Assembléia Geral (4 a 13 de maio de 2010). Os Bispos são pastores e gestores. Precisam ouvir, mas podem não ouvir. Precisam de muito saber e mais sabedoria.
Sei que o trabalho que enviei exerceu alguma influência.
Diz Vieira que  o lugar privilegiado de o demônio se  refestelar é nas igrejas. Ele vai se imiscuir, disfarçado, entre os bons, para desviar-lhes o caminho...
É nas boas searas que o inimigo gosta de espalhar a cizânia.

Isto novamente me diz que a Igreja é, sim, o Povo de Deus e que “tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”. Devemos falar, “oportuna e inoportunamente”.(II Timóteo 4,2).
A Mensagem não é nossa. Devemos repassá-la ao destinatário.

4
CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ESTIMULANTES

Na Igreja, como em todas as Instituições, políticas, culturais ou religiosas, há “alas” distintas com posições eventualmente conflitantes, em termos de estratégias. Há também os que querem a Instituição imutável, com receio de perder vantagens pessoais ou grupais, ou com medo do mar tempestuoso...

Assim, certas afirmações  que marcam posicionamento, são rejeitadas por uns e exaltadas por outros. A unanimidade real é difícil e nem sempre é conveniente.
Todos os posicionamentos precisam ser considerados para que a Instituição não encalhe... Nem se quebre no próximo rochedo. A Igreja viverá sempre num equilíbrio instável, como tudo o que tem vida. As convergências e as divergências sempre nos acompanham.
Quando temos algo a dizer, não temos direito de nos calarmos. Mas precisamos ter convicção e sobriedade.
Precisamos  ser cuidadosos e fiéis como Mensageiro Filípedes,  após a batalha de Maratona, na Grécia Antiga.

5
PERSPECTIVAS

É com estas ideias que convido o leitor a ler este trabalho: “Abalos na Igreja, Crise na Humanidade”.
A motivação, à partida, foi a campanha sórdida, em torno da pedofilia na Igreja. Denota fraquezas que precisam ser superadas. Vemos agora que só a verdade constrói. Não somos pescares de águas turvas.
Escrevi do ponto de vista da sociedade civil, como cidadão, com uma visão plural. É nesta perspectiva  que quero ser lido.

Dou novo enfoque à questão e proponho uma atitude corajosa e séria  de revitalização da Igreja. Ao final sintetizo as ideias em 10 (dez) propostas iniciais. Faço um apelo à sabedoria. Esta é a marca que tem de nos identificar, como pessoas pensantes, conscientes e consequentes.
O trabalho quer contribuir para a reconciliação de Igreja, com a Dinâmica social, numa sociedade plural.
Leia e comente. Somos todos responsáveis.


Forças e Fraquezas da Igreja

FORÇAS E FRAQUEZAS DA IGREJA
Pedofilia, Um Caso Mal Ajambrado
José Jorge Peralta

I - ALEGRIA, ESPERANÇA E OUSADIA

1. Falo neste estudo, de uma Instituição admirável e paradoxal: tem forças de gigante e fraquezas e debilidades de ovelha no pasto, vigiada por lobos. Abordo este assunto, excepcionalmente, pois este é hoje um foco secundário em minhas reflexões. Falo por apelo interior, não esperado.
Por longos 70 dias o tema tomou conta de minha mente, exigindo atenção total. Senti que  o texto adquiria dimensões de algo que vem para ficar; para marcar posição para a posteridade, num momento inspirador e instigante.
Falo, da perspectiva de um cidadão, a quem tudo o que é humano sempre interessa.
Dediquei a este ensaio a mesma atenção que se dá a um filho.
As ideias que aqui exponho são desdobramentos de um longo trabalho que redigi: “Abalos na Igreja, Crise na Humanidade”, publicado no site blogue: www.alfa8omega.blogspot.com  
            Falo, com respeito e ousadia, da Instituição mais antiga do Ocidente, a Igreja de Cristo. A Igreja que tem, como força matriz, a doutrina do Evangelho; uma doutrina que deslumbrou o mundo.
Cristo, na História, foi o ser humano que maior influência exerceu na humanidade, por sua doutrina de valores: a dignidade da pessoa humana, e a interação entre os humanos, com a superação dos egoísmos e da selvageria. Deu ênfase à alteridade: “amai-vos uns aos outros...” Insistiu na cooperação mútua e no altruísmo. Falou por palavras e atitudes. Foi convincente. Teve credibilidade.
Deixou uma mensagem de esperança para toda a humanidade, que já  estava  nas suas cogitações: “ide pelo mundo inteiro”. Almejou a fraternidade universal. Foi contundente: “Sede mansos...  sede astutos ...” “Saiam (...) vocês fizeram do Templo um covil de ladrões...”
Falo de uma Instituição que, em nosso País, tem uma história de belezas extraordinárias. Um paradigma mundial na construção da sociedade. É uma instituição viva, audaciosa e dinâmica. Está presente e atuante no mundo inteiro. É uma Instituição muito bela, amável e generosa. Mas tem alguns senões, algumas falhas ou imperfeições que precisam ser corrigidas. São  falhas humanas.
            Falo de uma Igreja que, através de sua história, prestou serviços de tal monta à humanidade que bem pode ser considerada o patrimônio imaterial maior de toda  a Civilização Ocidental.
            Ela difundiu no mundo  a lei do amor, a solidariedade, a fraternidade, o respeito mútuo, a dignidade humana e a espiritualidade. Alegria e esperança é a sua bandeira, na tempestade e na bonança.
            Para ser mais eficiente e consistente a sua ação, precisa contar com um corpo de consultores humanistas independentes do mundo inteiro, de todos os ramos da ciência e das artes, que exerçam o poder da crítica leal e consistente. Alguém que observe, do lado do povo, de fora da sacristia. Que mostre o outro lado da vida. Esta é uma regra sadia implantada nas grandes instituições, na atualidade, para não ficarem para trás. A vida do Cristão, com seus embates, é vivenciada na sociedade civil e não apenas nos templos.
Alguns paradigmas precisam ser revistos, com o passar do tempo, para se adequarem  às mudanças da sociedade.

2. Mas a mesma Igreja, em contradição com os princípios do Evangelho,  por fraqueza de alguns de seus representantes, também foi responsável por crimes bárbaros e execráveis, como as tristes tragédias da Inquisição e outras mais... “Abismo atrai abismo”
São os vícios humanos se aproveitando de uma Instituição de alta credibilidade, traindo seus princípios fundamentais. Consideraram-se seus donos e não seus serviçais. Daí o escândalo, os estragos e as dissensões.

            Falo aqui, de uma igreja sempre em crise de mudanças, como toda a natureza viva e  como tudo que é humano, tem momentos de Primavera e momentos de Inverno.
            Os Cristãos Católicos, como todos os demais devem estar  atentos à verdade. Saber ouvir críticas leais e razoáveis é dever de toda  a autoridade. A verdade, às vezes, dói. Não podemos evitá-la. Poder sem verdade é autoritarismo.
Na Terra, a igreja não é composta por anjos, mas de seres humanos, com as fragilidades que lhe são próprias.
            Quando, por algum equívoco, quiseram considerá-la feita, perfeita e imutável, aumentaram suas crises, seus paradoxos e suas dissensões. A Igreja vive, naturalmente e sofre as agruras do seu mundo, porque é solidária com ele.
Diante de grandes embates, consegue manter-se de pé. É muito mais forte que seus “algozes”. Mas a Igreja não existe para vencer ninguém. Existe para convencer  as consciências e para  fazer irmãos. A força  da Igreja  é  a  Palavra e o Testemunho; é a coragem, a determinação e a firmeza; a vida e a luz que propaga.
            A Igreja, como toda a natureza viva, vive seu percurso: um movimento de mudanças permanentes, adaptada aos ciclos vitais do universo. O transitório muda e o essencial permanece.
            Os acomodados querem que o transitório seja permanente. Daí as falhas.
            Confiar é preciso, mas participar, como sujeito, é essencial.  No Cristianismo as pessoas são sujeitos e não objetos. A consciência cidadã é essencial ao cristão. “Confia e não perguntes”, não é atitude cristã; é repressão.
Vivemos tempos sucessivos e contínuos de Primavera, Verão, Outono e Inverno. Tempos de Natal e Epifania; Morte e Ressurreição; de Pentecostes e Difusão; de Consolidação, Fraquezas e Perseguições. Num mesmo tempo podem  ser vividas as quatros estações, pelos quatro cantos do mundo. Esta é a condição da vida entre os humanos.
            No nosso mundo há  elementos permanentes, elementos mutáveis e elementos transitórios, alguns precários. Há sempre em todas as instituições, tendência a fazer perenes os elementos transitórios e até  os precários, ao sabor de interesses circunstanciais.
O poder é tentador; seduz as pessoas fracas e inseguras.
Na igreja não é diferente. Todos precisamos tirar a máscara, para  nos vermos no espelho como somos, e assim nos apresentarmos. Precisamos reencontrar o amor incondicional, dentro de nós. É lá que ele está.
Sinto a Igreja como um espaço de liberdade. Nunca como um espaço de opressão. Nunca como um espaço de obscuridade.

3. Quero, aqui, realçar as forças dinâmicas da Igreja, que na sua matriz perene, sustenta-se na mutação, na diversidade e na adversidade.
A Igreja nunca será uma instituição acabada. Ela se faz a cada dia. Sofre a cada dia as dores da vida. É uma Igreja composta e gerenciada por humanos e não por anjos. Precisamos reconhecer e aceitar esta condição.
Sofre as muitas fraquezas de muitos dos seus filhos, dos mais simples aos mais altos da hierarquia.
Pessoas da alta hierarquia da Igreja, aliás, de todas as igrejas, cometeram crimes cruéis, vexatórios e até hediondos, através da história. Mais importante do que chorar tanta indignidade é aprender a lição. Até porque há um outro lado: Pessoas da mesma Igreja, aos milhões, fizeram,  por toda a parte, ações admiráveis, beneméritas...É praxe histórica, os “donos” do poder tentarem  subjugar os “súditos”. Na Igreja, via de regra, é diferente.
Não é novidade que houve negatividades, no Cristianismo. Isso é narrado em prosa e verso, muitas vezes  de modo tendencioso e persecutório, por milhares de livros, etc, etc. Mas o que é mais grave é que muitos não aprenderam a fazer a lição de casa...
Numa sociedade doente, o vírus pode ferir todo e qualquer humano.
É natural que assim seja, como é natural que sempre rejeite o mal e opte pelo bem. Questão de opção... Questão de consciência...
Ninguém pode se espantar se um ou outro  eclesiástico  cometer algum deslize. É natural, numa instituição de humanos, numa sociedade doente.
 Padres, Bispos, Cardeais e até o Papa, podem errar. É bom que assim reconheçam. Faz parte da condição humana. Mas a Igreja jamais poderá compactuar com o erro. Deve pois detestá-lo e  corrigir os culpados. A impunidade é a mãe de todos os vícios, diz-se.
A alegria e a esperança sempre brilham no rosto da Igreja, nas mais desencontradas ou auspiciosas circunstâncias. Esta é a Igreja do Evangelho.
Na Igreja, temos outros cinco macaquinhos que nos convidam a ver, ouvir, falar, pensar e agir.
Esta é a  minha Igreja: tão humana que é divina e tão divina que é humana.

Isto me fez lembrar um belo poema de Fernando Pessoa: “O Meu Menino Jesus” (para ouvir, clique)

II – PEDOFILIA, CONSPIRAÇÕES E RENOVAÇÕES

4. Por tudo isto, é muito estranho o escândalo que se levantou, contra a Igreja,  porque foram  detectados casos de pedofilia, entre uns poucos padres da Igreja. Não foi levado em conta que a Igreja  vive a crise  e as dores e horrores de nosso mundo  desconcertado e às vezes  desconcertante.  
A Igreja é vítima e não culpada, nos casos de pedofilia que vitimou alguns de seus pastores.
Não é a Igreja que está em crise, no caso da insólita  pedofilia. Quem está em crise  é o mundo onde está a Igreja. A crise não está vegetando na igreja. Está vegetando no mundo  e por tabela, atingindo também alguns, muito poucos, membros frágeis da hierarquia da Igreja, em meia dúzia de países.  Uma parte mínima do clero... Mas um só caso já merece toque de alarme e tomada de decisões preventivas.
Num mundo onde se registram mais de quinhentos (500) casos de queixas de agressões pedófilas, por dia, os casos que atingiram a Igreja são, estatisticamente de valor nulo. Nem por isso a Igreja pode deixar de corrigi-los e puni-los.
A pedofilia é hoje uma praga social, atingindo centenas de  meninos e meninas, diariamente, por todo o mundo.
Em alguns países árabes, a prática é socialmente aceita, havendo “casamento” de adultos com meninas de 4 a 10 anos (?!).
Moralmente a sociedade, nos últimos 50 anos, foi atingida por “doenças” anômalas.
Corrijam-se os casos ocorridos na Igreja, mas sabendo que a Igreja é vítima de uma sociedade que vai perdendo princípios norteadores e se desgovernando. A sociedade, hoje,  já pede socorro, por tantos desmandos...

5. Mais grave ainda do que os casos eventuais de pedofilia, é o tratamento que a imprensa “sensacionalista” deu ao caso, agredindo escandalosamente a Igreja Católica, com insultos e injúrias, numa atitude persecutória  e discriminatória, que alguns classificaram como conspiração.
A notícia dos casos raros de pedofilia, na Igreja, foi trombeteada pelos quatro cantos do mundo, 24 horas por dia, em milhões de meios de comunicação. Uma verdadeira campanha de desacreditação: claramente uma conspiração muito bem articulada, em alguns centros de elaboração e seleção de notícias e de orquestração de pauta.
Certamente abalou a credibilidade da Igreja  em milhões de ouvintes. Quase uma chacina moral...
Não menos grave foi o tratamento  inábil que a Hierarquia Superior da Igreja deu aos fatos. Deixou-se acuar, por falta de visão de conjunto, contaminada por ideologias políticas espúrias, que não respeitam a presença da Igreja na Civilização e aproveitaram o ensejo para  tentar desmoralizá-la.
Não é a primeira vez que a vítima é julgada culpada.

6. No entanto, eu considero que mais importante do que as ocorrências da deplorável pedofilia, é que a Igreja aproveite o momento de “crise”, que a Providência lhe oferece, para repensar sua mensagem, suas estratégias e sua atuação, no nosso mundo atual, sem máscara  e sem retoque.
Nunca o mundo precisou tanto da Igreja, do Evangelho, como em nossos dias.

No trabalho citado no início do texto, enviado aos diversos  departamentos da CNBB, no dia 06.05.2010, faço umas dez propostas formais de revitalização da Igreja. Confira. Posicione-se.
A Igreja precisa aproveitar o grande abalo que acaba de receber, para rever sua estratégia  de Evangelização. Terá muita, muita coisa, para reconsiderar. A Providência convoca. Dizer não é deserção... “Por uma omissão perde-se uma nação”, diz o Grande Vieira.
A Igreja não pode se perder em questiúnculas. Precisa ir ao essencial: Mudar o que deve ser mudado... Já.
Convido a todos  a rezar, com S. Francisco de Assis, em texto adaptado:

Senhor, dai-me perspicácia
para distinguir o essencial, do circunstancial,
e o eterno,  do provisório.
Dai-me força para mudar
O que pode ser mudado...
Resignação para aceitar
O que não pode ser mudado...
E sabedoria para distinguir
Uma coisa da outra”.





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Para saber mais: